Saúde mental entra no radar das fiscalizações trabalhistas

A saúde mental deixou de ser um tema periférico nas empresas brasileiras e passou a ocupar um lugar central nas discussões sobre clima organizacional, produtividade e sustentabilidade do trabalho. O número de trabalhadores afastados por transtornos como ansiedade, depressão e burnout cresceu significativamente nos últimos anos, apontando para uma crise silenciosa no ambiente corporativo.

Somente em 2024, o Ministério da Previdência Social registrou 472 mil licenças por transtornos mentais, o maior número em pelo menos uma década. O dado acompanha outras pesquisas que revelam a sobrecarga emocional dos trabalhadores. Um levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostra que 43% dos profissionais se sentem sobrecarregados, enquanto 31% relatam sofrer pressão excessiva por metas.

Diante desse cenário, o Ministério do Trabalho e Emprego atualizou a Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que estabelece os fundamentos do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). A nova versão da norma, que entra em vigor em 26 de maio de 2026, passa a incluir os riscos psicossociais entre os fatores obrigatórios de avaliação, exigindo das empresas uma abordagem estruturada para lidar com questões como estresse ocupacional, assédio moral e sobrecarga emocional.

Para o psicólogo e especialista em saúde organizacional Filipe Colombini, não é possível enfrentar esses desafios com ações pontuais. “Não basta colocar um tapete de mindfulness ou oferecer um café. É preciso construir uma cultura genuína de cuidado, que integre a saúde mental à estratégia da empresa, da liderança ao operacional”, afirma.

Colombini lembra que a separação entre saúde física e mental é apenas didática. “Tudo está interligado. Uma empresa saudável é feita por pessoas saudáveis física e emocionalmente”, explica.

Entre os pontos centrais para atender às exigências da nova norma estão:
– Capacitação contínua das lideranças;
– Espaços seguros de escuta e canais de compliance;
– Monitoramento do clima organizacional;
– Benefícios de saúde mental, como subsídios à psicoterapia;
– Promoção de relações saudáveis e ambientes colaborativos;
– Prevenção a comportamentos nocivos e discriminação.

O papel da liderança é destacado como elemento estratégico. “Quando capacitadas, as lideranças desenvolvem habilidades fundamentais como escuta ativa, empatia, comunicação não violenta e gestão de conflitos, o que os torna agentes reais de promoção do bem-estar emocional das equipes”, pontua Colombini. “Sem esse preparo, qualquer iniciativa tende a se tornar superficial ou incoerente com a prática cotidiana da organização.”

O especialista também destaca a importância de romper com padrões culturais que ainda associam a busca por apoio psicológico a fraqueza. “Isso ainda está muito presente, principalmente entre lideranças masculinas. Mas saúde mental é força. E empresas que não entendem isso estão fadadas a perder produtividade, talentos e reputação”, observa.

Exemplo prático: Grupo Acelerador adota pacote amplo de bem-estar
Algumas empresas já se antecipam às exigências da NR-1. O Grupo Acelerador, liderado por Marcus Marques, estruturou um conjunto de ações voltadas ao bem-estar físico, emocional e social dos colaboradores. O pacote inclui jornada flexível, apoio psicológico, academia 24 horas, programas de educação, convênios integrais de saúde e incentivo à celebração de conquistas e momentos pessoais.

Com essas iniciativas, a empresa reduziu em 18% a rotatividade de funcionários em um ano. “A expectativa é ampliar ainda mais esses resultados em 2025”, afirma Marques. O investimento total em capacitação foi de R$ 3,57 milhões, destinados a treinar 218 colaboradores em mais de 5.700 horas.

“Acreditamos que alta performance só é sustentável quando as pessoas têm suporte para suas necessidades reais, dentro e fora do trabalho”, diz Marques. Entre os programas estruturais estão o Acelera Terapia, com R$ 500 mensais de apoio psicológico, e o Acelera Educação, com R$ 300 mensais para formação acadêmica.

A empresa também aposta em uma cultura de autonomia e desenvolvimento, com incentivos à mobilidade interna, participação nos lucros e programas que valorizam sugestões dos colaboradores.

Estresse atinge mais jovens no mercado de trabalho
Um levantamento do Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP) mostra que os profissionais da geração Z são os mais afetados pelo estresse no ambiente corporativo. Entre os entrevistados com idades entre 20 e 30 anos, 72,2% afirmam sentir-se frequentemente estressados, e 44,4% relatam sintomas como insônia, ansiedade e cansaço extremo.

A pesquisa aponta que a carga excessiva de trabalho, a burocracia nos processos e a falta de reconhecimento são os principais fatores citados pelos profissionais de diferentes faixas etárias. Para o presidente do CRA-SP, Alberto Whitaker, o cenário exige atenção do setor de recursos humanos. “É a primeira vez que temos tantas pessoas diferentes trabalhando juntas, em um mesmo ambiente. Essa diversidade requer um olhar mais cuidadoso do RH, que precisa escutar e entender, de forma genuína, o que cada profissional requer para se sentir bem”, conclui.

Fonte: InfraFM

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